Monday, January 04, 2016

Pop Group

O cheiro do feijão cozido impregnava o apartamento. Era uma leseira depois do almoço e da escola. Mas ninguém usava esse termo “leseira”, acho. Falávamos que estávamos morgados. Acho que ficávamos morgados o dia todo, por nossos relógios biológicos não estarem adaptados a acordar cedo. Só melhorávamos quando saímos pra rua para zoar, do meio da tarde em diante.
O rádio estava sempre ligado. Legião Urbana, Ira! e Titãs tocavam o tempo todo, eram tão populares quanto Roberto Carlos era para os nossos pais. Tinha banda chata e convencional como o Barão Vermelho também, isso lá tinha. O doido, no entanto, é que no meio da programação, às vezes, tocava Garotos Podres, Replicantes e Toy Dolls. A primeira vez que ouvi “Eu quero matá-lo/aquele porco capitalista” foi numa rádio FM normal, dessas que tocam, sei lá, Chris Brown. Tá, naquela época tocava Chris de Burgh, não era tão diferente assim também.
O interessante é que não consigo imaginar uma rádio convencional tocando O Satânico Doutor Mao e os Espiões Secretos em 2016. Até porque não é um clima otimista de redemocratização, mas sim uma vaibe sinistra em que a extrema-direita volta a pedir golpe militar na cara dura. Pior ainda, no fim dos anos oitenta não havia essa praga neopentecostal fundamentalista. À época, havia toda uma grita contra censura; hoje, se alguém tocar algo com o nome “satânico” no rádio, correrá o risco de perder o emprego. Bem, provavelmente naquela época também e talvez eu esteja edulcorando o passado, afinal a Igreja Católica conseguiu censurar o Je Vous Salue Marie já na época da besta do Sarney. Isso fez com que eu assistisse ao filme com uns quinze anos. Levou outros quinze anos para ter coragem de assistir um filme do Goddard de novo, pois assisti ao filme apenas porque ele foi proibido – e achei chato pra caralho.
Enfim, só quem viveu antes do advento da internet e não tinha grana pra comprar discos para saber como é emocionante quando se tocava uma banda da qual você gostava muito no rádio. Era a oportunidade de gravar a música, você tinha que ficar atento. E o mais importante: não ligar na rádio para pedir a música. Senão eles soltavam alguma maldita vinheta em cima da música. O importante era ligar a rádio e se ligar como um caçador de tesouros no fundo abissal. Eu não gravei Papai Noel, Velho Batuta. Tive que esperar anos para ouvir a música depois, após o começo dos anos noventa. Vocês acham que tocava só Nirvana no rádio? Mal tocava. As rádios preferiam 4 Non Blondes e outras bandas mais palatáveis, nem Pearl Jam rolava tanto assim. O poperô já tinha dominado tudo antes. Mas já sabia que seria assim, não confiava nos DJs. Eu ouvia Smiths desde os anos oitenta e lia algumas das letras.

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